Fotos: Leopoldo Silva/Divulgação Em cartaz no Memorial dos Povos Indígenas, 'Brasil Krahô – Filhos do Cerrado' apresenta 75 image...
O Memorial dos Povos Indígenas (MPI) expõe a mostra Brasil Krahô – Filhos do Cerrado sobre a etnia que vive no nordeste de Tocantins e tem muito a inspirar em termos de valores culturais e de relação sustentável com o bioma. São 75 registros em papel do fotógrafo Leopoldo Silva, com 30 anos de experiência no fotojornalismo na capital federal, entre jornais e revistas.
Com fomento do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) – R$ 100 mil e 20 empregos diretos -, o projeto teve curadoria da antropóloga formada na Universidade de Brasília (UnB) Verônica Maia. As imagens, que contam com audiodescrição por QR Code, revelam dia a dia, festas, tradições culturais e traços da personalidade dos Krahô, com um olhar de intimidade que a dupla conquistou com os indígenas na convivência entre 2010 e 2018.
Leopoldo conheceu os Krahô em 2010 quando foi fazer uma reportagem sobre cultivo de sementes. “Eles gostaram e me convidaram para ir a uma festa deles. Comecei a frequentar as aldeias por minha conta e aí surgiu a ideia desse trabalho”, conta Leopoldo.
Três mil indígenas em 25 aldeias ocupam uma área de 300 mil hectares no Tocantins. O cultivo de sementes e de uma cesta rica em vegetais, como milho, mandioca, batata-doce, inhame e outros, fazem parte da cosmogonia dessa etnia.
Olhar sensível
Conta uma lenda Krahô que, certa vez, um jovem da tribo se apaixonou por uma estrela que desceu à terra e ensinou ao povo dele como se alimentar de modo saudável. Interferências de “brancos” tentaram empurrá-los para a monocultura de arroz, mas eles resistiram. Essa etnia em que as mulheres são o centro da sociedade, os homens, gentis, e as crianças, bem-vindas, cultiva a força e despreza a violência de que já foram vítimas, como em 1940, quando mais de 70 índios foram assassinados numa ação de extermínio promovida pelos fazendeiros da região.
Leopoldo, um veterano acostumado a alternar, no seu trabalho, os gabinetes do poder e as reportagens Brasil afora, explica que o processo de registro fotográfico foi precedido pela convivência. Ele e Verônica tornaram-se Krahô honoríficos (“Ipantú”, na língua do tronco Jê, dos povos do interior).
“A questão da câmera fotográfica é um problema sério. Só com o tempo eu consegui fazer um trabalho legal porque você se torna amigo dos indígenas. Vai ganhando a confiança deles”, afirma ele Leopoldo.
O fotógrafo, que hoje atua como profissional no Senado Federal, buscava sempre se postar a uma distância que não interferisse nos acontecimentos. Munido com lente teleobjetiva, atuava discretamente, na melhor prática da observação participante.
“No começo, eu fui a muitas festas. Eles fazem muitas celebrações. Nessas ocasiões, a aldeia se transforma. Todo mundo se prepara. Geralmente, tem muitos visitantes. Fica mais fácil fotografar. Mas mesmo com todos esses cuidados, a câmera é bem invasiva”, reconhece.
Como contrapartida, Leopoldo repassa aos indígenas fotografados (quando sozinhos) ou a uma associação deles (quando em grupo) um terço da receita que obtém com a comercialização dos registros, que também estarão à venda no MPI, equipamento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec).
Sujeitos da terra
Verônica, a quem Leopoldo trata por “grande parceira no projeto”, diz que a formação em antropologia acrescentou ao trabalho do fotógrafo, principalmente, a perspectiva mais atualizada da abordagem dos indígenas como sujeitos e não como meros objetos.
“Isso implica em considerar a história de cada um, qual a expectativa que eles têm com os registros, nomeá-los individualmente na identificação das fotos, saber o significado das práticas e rituais fotografados e o papel de cada participante. É preciso consultá-los sobre o resultado obtido para saber se eles se sentiram bem representados e se consentiriam na exposição das fotos e eventual venda”.
A antropóloga acredita que a exposição no MPI pode atualizar a visão estereotipada que temos dos povos originários: “A grande diferença cultural que existe entre os Krahô (e todos os povos indígenas) e a nossa sociedade não-indígena não faz dos indígenas reminiscentes do passado. Eles são tão contemporâneos quanto nós, vivem no mesmo tempo presente que vivemos e, por isso, têm interesses de melhorar as condições de vida e de obter valorização e reconhecimento de suas escolhas e expressões culturais”.
Verônica destaca que o estilo de vida, os padrões culturais, os valores indígenas são atualizados o tempo todo. São conscientes ao cultivar a tradição e o modo como se relacionam com o ambiente e com as comunidades.
Além de batizada, como o colega fotógrafo, de “Ipantú”, Verônica conta que, na viagem que fez ao mundo desse povo, ela embarcou também para dentro do próprio passado: “Tenho notícia de que a quatro gerações atrás uma mulher indígena foi desposada por um português na minha família. É a história apagada da colonização de que somos fruto. A maioria de nós, brasileiros, está muito mais perto dos indígenas do que sabemos e do que nos foi ensinado. Nosso jeito de ser e a musicalidade de nossa fala têm muito mais influência indígena do que reconhecemos”.
O MPI, reformado no piso, pintura e dispositivo contra incêndio, recebeu na semana do aniversário de Brasília, em abril, 2,5 mil visitantes em seis dias. “São números muito positivos e para além do que estamos acostumados em outros meses, quando a média de visitação está entre 120 e 160 por dia”, comemora o servidor Renato Santos, lotado no equipamento da Secec.
O gerente do espaço concebido por Darcy Ribeiro, David Terena, da etnia que lhe dá o sobrenome, também festeja o interesse renovado do público: “A exposição das fotos dos índios Krahô no MPI desperta e contribui para que os brasileiros ampliem o conhecimento sobre as origens deles. Não resta dúvida de que os Krahô têm um patrimônio riquíssimo, que fortalece a preservação das expressões mais autênticas das heranças indígenas”.
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